por Renato Costa e Gabi Callegaris para A Casa de Vidro
Até meados do século passado a China estava entre os países mais pobres do mundo, sendo sua população duramente castigada por guerras imperialistas, invasões territoriais e subjugação oriunda dos “acordos” impostos pelas potências da época. Esse quadro foi característico do chamado Século de Humilhações, que vai de meados do século XIX até 1949, quando, em 1 de outubro, foi proclamada a República Popular da China, hegemonizada pelo Partido Comunista Chinês (PCCh), sob a presidência de Mao Zedong.
O objetivo naquele momento era reconstruir a nação pauperizada pelo imperialismo. Antes de se alcançar esse grande feito, foi lançado um lema singelo, mas de grande significância para as vítimas do colonialismo: “Uma tigela de arroz para cada chinês”. Naquele contexto, o governo chinês estabeleceu medidas revolucionárias massivas para melhorar a situação dos chineses, a começar pela implementação de políticas agrárias estatizantes e coletivistas. Os resultados alcançados a partir da consolidação de programas voltados para a melhoria na vida da população chinesa alcançaram resultados surpreendentes.
Nos primeiros trinta anos da República Popular da China, a expectativa de vida aumentou em 32 anos, mais de um ano de vida para cada ano de revolução; o número de hospitais triplicou; a matrícula de crianças em idade escolar aumentou de 20% para 90%; o índice de analfabetismo caiu de 80% da população para 16,4% em áreas urbanas e 34,7% na zona rural. Apesar disso, em 1981 a maior parte da população (84%) ainda estava empobrecida.
Em 1986 foi lançado o programa para redução da pobreza, com uma abordagem voltada para o desenvolvimento econômico geograficamente direcionado, englobando 331 condados de diversas regiões. Para avançar definitivamente sobre as determinações da pobreza extrema, os membros do PCCh tinham como tarefa a identificação das necessidades de suas regiões, o que foi parte decisiva na elaboração de políticas públicas direcionadas (PPD), eficazes na redução da pobreza justamente por identificar suas causas locais. Em 1992 a população empobrecida caiu de 125 para 80 milhões de pessoas.
A institucionalização de políticas públicas de desenvolvimento e assistência à população realizada naquele período – em aliança com os projetos de desenvolvimento industrial, ampliação da produtividade agrícola e migração controlada do campo para a cidade – foi um passo fundamental para a épica conquista chinesa celebrada em 2020, mas muito pouco difundida nos países sob cerco midiático dos Estados Unidos e seus aliados. Qual seja: a eliminação da extrema pobreza no, até então, país mais populoso do planeta, atingindo o objetivo estabelecido em seu 13º Plano Quinquenal, lançado em 2011.
Hoje, quase 80 anos após a proclamação da República Popular da China, o país vive uma realidade completamente diferente do período pré-revolucionário: deixou de ser um país agrário, submetido aos interesses estrangeiros e paupérrimo, complexificou suas exportações e, assim, passou a ser a maior potência econômica do planeta. As formas de se medir a riqueza de um país e classificá-la em um ranking são variadas e colocam, sob determinados aspectos, como o PIB, os Estado Unidos como a maior economia do mundo, mas o fato é que foi a China que conseguiu o maior feito da história recente, ou talvez de todas as épocas: a retirada de 850 milhões de pessoas da extrema pobreza, o equivalente a quase 4 vezes a população brasileira.
A pujança econômica, em si mesma, foi viabilizada pela planificação da economia promovida por planos quinquenais, que podem ser considerados políticas públicas. Boa parte das carências da sociedade chinesa foram superadas pela própria dinâmica econômica, que superou a dependência do capital estrangeiro com exitosa regulação da economia ao promover transferência de tecnologia das grandes multinacionais que buscavam mão de obra barata a curto prazo para, em seguida, tentar restaurar a influência ocidental em toda a Ásia.
Entretanto, no que se refere à políticas públicas direcionadas, ao menos 43 milhões de pessoas foram beneficiadas por programas focados na erradicação das desigualdades regionais e no aprimoramento da relação campo e cidade. O programa Bolsa Família é uma das referências brasileiras que serviram de inspiração para esses programas, vinculando a entrega de recursos a outras medidas de inclusão como a frequência escolar ou a necessidade de vacinação das crianças. Por seu lado, o acesso gratuito ou subsidiado à internet e TV a cabo, são exemplos originais que a China oferece ao mundo para a superação das desigualdades educacionais.
Ainda que a pobreza absoluta tenha sido superada na China, segue em curso a agenda de redução da pobreza relativa, considerando pessoas com rendimentos abaixo dos 5,5 dólares ao dia. Esse tipo de carência é aquela que impede a qualificação de trabalhadores e a expansão dos empregos de alta complexidade. Por ser um país de renda média-alta, a China precisa ultrapassar mais este desafio, considerando sua enorme população. Esforços nesse sentido permitiram à China saltar da 46ª posição no ranking da complexidade econômica em 1995 para a 16ª em 2019.
Além de sua posição destacada no combate à pobreza, o país hoje se apresenta como uma grande potência em diversos aspectos fundamentais para pensarmos o futuro da humanidade e, outra vez, as políticas públicas direcionadas têm um papel decisivo. A maior investidora em transição energética hoje é a China, que lidera o ranking de reflorestamento; possui grandes e ambiciosos projetos de desenvolvimento sustentável, conservação e restauração de florestas; além de um amplo programa de florestamento dos seus imensos desertos.
Para realizar essas iniciativas, o governo chinês tem implementado grandes projetos de conservação e restauração ecológica, pensando o combate à pobreza de modo integral. A criação de empregos ecológicos se mostra estratégico em regiões que, em geral, têm sua renda condicionada a fatores climáticos. Desde 2013, foram restaurados 4,97 milhões de hectares de terras agrícolas em regiões pobres, que se tornaram florestas ou pastagens. Isso permitiu que 1,1 milhão de pessoas pobres fossem empregadas como guardas florestais e se criou 23 mil cooperativas de redução da pobreza e equipes para o florestamento.
Apesar das contradições que se revelam no processo revolucionário chinês, a condução da nação e de suas políticas públicas nas mais diversas áreas são exemplares e revelam a atenção e o cuidado do governo com seu povo e com o futuro da humanidade. A China avança nos pontos em que o ocidente e o “mundo desenvolvido” estagnaram ou, em alguns casos, regrediram, como na questão climática: enquanto os países ricos oferecem trocados para fundos de proteção ambiental, a China aumenta consideravelmente seus investimentos em políticas públicas.
Publicado em: 06/12/23
De autoria: Gabi Callegaris Gabi
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